Sepetiba II, uma cidade fantasma

RIO - Um terreno de 1,9 milhão de metros quadrados reservado a 626 unidades habitacionais e a um parque ecológico, além centros de visitação e de produção de mudas da Mata Atlântica. Poderia até parecer uma boa notícia diante do déficit habitacional no Rio. Mas, dez anos depois do início de sua construção, o conjunto habitacional Nova Sepetiba II, entre Pedra de Guaratiba e Sepetiba, na Zona Oeste, é hoje um escandaloso flagrante de desperdício do dinheiro público, de devastação ambiental e de falta de planejamento urbano. Entre anúncios de obras e embargos que se arrastam desde 2002, no governo de Anthony Garotinho, somente 319 casas estão praticamente prontas. O que já foi projeto para moradia de famílias de baixa renda se tornou uma verdadeira cidade fantasma, encravada no meio de uma área de proteção ambiental, a APA Sepetiba II, a um custo até agora de R$ 30,5 milhões. O valor foi pago pelo governo à Delta Construções, que protagonizará mais uma polêmica nos próximos dias: o Ministério Público estadual vai entrar com uma ação civil pública cobrando do estado e da empresa a conclusão do conjunto.
A promotora Rosani da Cunha Gomes, da área de meio ambiente do MP, diz que recorrerá à Justiça para que os compromissos firmados num termo de ajustamento de conduta (TAC) de 2004 sejam cumpridos. O TAC previa, entre outras medidas, o término e a entrega das casas, a recuperação ambiental de parte do espaço, a construção de uma escola, uma creche e uma estação de tratamento de esgoto, a implantação de um projeto de educação ambiental e a ocupação da APA pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea). De lá para cá, pouco foi feito:
- Com vontade política se termina essa obra e se coloca em prática a gestão da área de proteção. Falta terminar parte das casas, algumas estão ainda sem telhado. Falta ainda refazer a rede pluvial, que foi danificada durante esses anos, e dar manutenção à área de proteção. A sede do Inea foi construída, mas fica trancada - afirma a promotora.
Crime ambiental será investigado
A área de proteção foi criada em 2004. A promotora conta, no entanto, que o reflorestamento foi paralisado e o viveiro de mudas, previsto no TAC, abandonado. Ela promete não só entrar com a ação, o que será feito após receber o relatório técnico da última inspeção do MP, como também apurar as responsabilidades criminais do estado e da Delta no caso, em decorrência dos danos ambientais.
- Houve uma devastação. O local era de mata fechada, de Mata Atlântica, e abriu-se um clarão com a obra, causando prejuízos para a vegetação e para a fauna. Aterraram um canal e uma área de brejo. Pelo Plano Diretor da época, esse lugar era uma macrozona com restrição à ocupação, não podia ter assentamento para grande população - diz a promotora, lembrando que o projeto original previa mais de cinco mil moradias.
Em 2001 o MP estadual instaurou inquérito civil para apurar os danos ambientais e, em janeiro de 2002, a 7 Vara de Fazenda Pública determinou, por meio de liminar, a paralisação das obras. No mesmo ano, a Justiça restringiu os efeitos da liminar, permitindo a conclusão de parte das casas do projeto. Dois anos depois, foi firmado o TAC, não totalmente cumprido desde então.
A situação do conjunto é ainda mais complexa porque, até hoje, o projeto não conta com autorização da prefeitura, não tendo recebido aprovação nem licença de obras, segundo a Secretaria municipal de Urbanismo. E, no relatório de uma inspeção feita em 2006, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) afirma que a Delta foi contratada em 2002 por R$ 55 milhões para a construção de 1.600 unidades, enquanto o valor era referente a 3.366 casas, mais do que o dobro acertado. As mais de três mil moradias faziam parte do edital de licitação do projeto. No entanto, quando o contrato foi assinado com a Delta, o número já tinha baixado para 1.600. Com o TAC, foi reduzido para 626, mas sem mudança no valor de R$ 55 milhões.
Já a Secretaria estadual de Obras diz que o acordo com a Delta a princípio incluía 3.220 unidades e infraestrutura. O órgão afirma que os R$ 30,5 milhões repassados à empresa correspondem à construção de casas, à terraplenagem, à drenagem, à pavimentação, à implantação de redes de água e esgoto e de uma estação de tratamento.
Uma placa do governo do estado, instalada na Estrada da Pedra, ainda dá publicidade ao gasto de R$ 55 milhões na construção das casas. Desse ponto, entrando numa rua de terra batida esburacada, são mais dois quilômetros até Nova Sepetiba II. No caminho, a impressão é que não se chegará a lugar algum. De repente, no meio do mato, mais uma placa, só que da Delta, marca um dos acessos ao conjunto habitacional.
Uma equipe do GLOBO foi até o local na última terça-feira. Na entrada, encontrou apenas uma guarita com um vigia e um cachorro, além de uma patrulha da Polícia Militar que fazia uma ronda na região. Do lado de fora, já era possível perceber que algumas casas envelhecem, abandonadas. No fim de 2010, algumas delas chegaram a ser ocupadas por um grupo de 700 sem-teto. Mas alguns dias depois eles foram expulsos do conjunto, que voltou à sua condição de lugar fantasma.
Do lado de dentro, segundo o vigia, funciona apenas um escritório de administração da Delta, apesar de as obras estarem paradas há pelo menos três anos. O serviço da empresa, de acordo com moradores, se restringe a não deixar que o mato tome conta do terreno. A Secretaria estadual de Obras informou que não encerrou o contrato com a Delta, que mantém a vigilância do espaço. O órgão diz também que há uma previsão para que as obras sejam retomadas até o fim deste primeiro semestre.
Enquanto o projeto não anda, quem mora perto assiste a uma drástica transformação da região, antes lugar apenas de sítios e chácaras, e que agora sofre a pressão da favelização.
- Esperávamos que com o conjunto viesse a infraestrutura, como rede de esgoto. Mas as obras em Nova Sepetiba II só andaram em vésperas de eleições. E, depois de começarem e pararem várias vezes, são um exemplo do desperdício, com tanta gente precisando de casa - comenta o agricultor José Alfredo Alves Cesário, temendo um crescimento ainda mais acelerado da região com o Transoeste, corredor expresso de ônibus que ligará a Barra a Santa Cruz e que passará num trecho da Estrada da Pedra.
Sobre as medidas do TAC, o subsecretário estadual do Ambiente, Luiz Firmino Martins, ex-presidente do Inea, afirma que todas sob a responsabilidade do instituto foram cumpridas. A área de preservação abrange 1,4 milhão de metros quadrados, 72% de todo o espaço destinado ao conjunto. A área construída de Sepetiba II ocupa pouco mais de 283 mil metros quadrados, 14% do total. Firmino justifica a ausência de funcionários na APA:
- Construímos a sede e estamos aguardando para ver como (o projeto) se desenrola. Uma alternativa é levar nosso horto de Guaratiba, com produção de mudas, para lá. Mas, com o conjunto não estando implantado, o que adianta colocar gente lá?'
A Delta Construções foi procurada pelo GLOBO, mas não respondeu às perguntas enviadas.

FONTE YAHOLL
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